A carta perdida
Numa pequeno aldeia rodeada por campos de lavanda e olivais, Beatriz trabalhava como bibliotecária da cidade. Todos os dias, ela organizava livros e ajudava os habitantes locais a encontrar as suas leituras favoritas. Mas o que Beatriz amava mesmo era o silêncio dos livros antigos, que pareciam ter mil histórias a contar, mesmo que estivessem escondidos nas suas páginas amareladas e frágeis.
Numa tarde de outono, Beatriz encontrou algo inesperado. Durante a organização de uma antiga estante na biblioteca, um envelope amarelado caiu de entre os livros. Curiosa, ela o apanhou e viu que estava lacrado com cera vermelha. No canto superior direito, uma data: “15 de outubro de 1942”. Ela abriu o envelope cuidadosamente, sentindo-se como uma detetive prestes a desvendar um mistério.
Dentro, encontrou uma carta escrita à mão, com uma caligrafia elegante e cheia de paixão. A carta era de um homem chamado Álvaro, que se declarava à sua amada, Sofia, prometendo-lhe amor eterno, mesmo que a guerra os tivesse separado. “Nunca poderei ser o homem que desejas, Sofia, mas o meu coração será sempre teu, até o fim dos meus dias”, dizia um dos parágrafos. Beatriz sentiu um aperto no peito, como se estivesse a ler um segredo do passado, algo muito íntimo.
O que a fez ainda mais intrigada foi o facto de a carta não ter sido enviada. Era clara a tristeza no texto, e Beatriz sentiu uma necessidade urgente de descobrir quem eram essas pessoas e o que havia acontecido àquela história de amor interrompida pela guerra.
Decidiu investigar. Com o pouco que a carta revelava, Beatriz procurou informações na biblioteca, perguntou aos habitantes mais velhos da aldeia, e até consultou os arquivos antigos da cidade. Com o passar dos dias, as peças começaram a se encaixar. Álvaro e Sofia haviam sido amantes antes de ele partir para a frente de batalha, mas nunca mais haviam se encontrado. Sofia, sem notícias dele, casou-se com outro homem, um amigo de Álvaro, que havia regressado da guerra.
Porém, Beatriz não conseguia deixar de pensar naquela carta. Algo na forma como Álvaro se expressava, como ele falava de amor eterno, tocava profundamente o seu coração. A história deles, de algo tão puro e intenso, mexeu com ela de uma maneira que não conseguia explicar. Decidiu então procurar mais a fundo sobre o destino de Sofia.
Após semanas de pesquisa, Beatriz conseguiu encontrar a filha de Sofia, já idosa, que morava numa cidade vizinha. Quando a conheceu, Beatriz lhe entregou a carta e contou a história da sua descoberta. A mulher, emocionada, contou-lhe que a mãe sempre guardara uma saudade profunda de Álvaro, e que, apesar de tudo, nunca o havia esquecido. A carta, que nunca chegara a ser lida por Sofia, foi finalmente entregue à sua filha, que a leu com lágrimas nos olhos.
Mas o que Beatriz não esperava era o que aconteceu depois. No final da conversa, a filha de Sofia revelou-lhe um segredo: “A história de amor de minha mãe não foi completamente perdida. Quando ela faleceu, encontrei no seu diário uma carta escrita para Álvaro, onde ela dizia que o amaria para sempre, mesmo na morte.”
Beatriz ficou sem palavras. A história de amor de Álvaro e Sofia, tão intensa e repleta de sentimentos, havia sido interrompida pela guerra, mas nunca havia desaparecido realmente. Agora, ela era uma história de amor que sobrevivia ao tempo, às cartas perdidas e às separações.
Aquele momento fez Beatriz refletir sobre as forças invisíveis que unem as pessoas, mesmo quando o destino parece afastá-las. A história de Álvaro e Sofia fez-lhe perceber que, às vezes, o amor é mais forte que qualquer obstáculo, mais forte que a própria morte.
Beatriz nunca mais olhou para a biblioteca da mesma forma. A cada livro que organizava, pensava em quantas histórias de amor, perdidas ou não, poderiam estar ali, à espera de ser descobertas.
